24/06/2021 08h18 - Atualizado em 24/06/2021 08h18

Considerações sobre a revisão da Lei de Improbidade Administrativa

Por Paulo Santana - Advogado, professor do UNIFUNEC, pós-graduado e e Mestre em Adm. Pública e Privada - Universidade de Coimbra.

A Lei 8.429/1992, reconhecida Lei da Improbidade Administrativa, está a ser revisada e, portanto, reformada, pelo Projeto de Lei 10.887/2018, que tem origem na Câmara dos Deputados. No último dia 16 de junho, o Plenário de tal Casa de Leis aprovou o texto da proposta e, agora, o mesmo segue para o Senado, a chamada Câmara Alta do Congresso Nacional.

Respeitadas as opiniões divergentes, fato é que esta revisão tem como finalidade específica trazer segurança jurídica à Administração Pública e à atuação do gestor público. Aliás, a Câmara dos Deputados buscou cuidar o mais tecnicamente possível do projeto de lei. Para tanto, criou uma comissão de juristas, todos de destaque e de reconhecimento nacional e internacional, cujo coordenador fora o Ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça. Integraram o grupo, também, juristas do calibre de Márcio Camarosanno, Cassio Scarpinela Bueno e Marçal Justen Filho.

Reconhece-se, há muito, que a improbidade administrativa é, em resumo, ação relacionada à desonestidade manifesta, à intenção efetiva do administrador público ou de quem se beneficia do ato de descumprir a lei e malversar a “coisa pública”. Sendo assim, desde quando surgiu, a Lei de Improbidade Administrativa tinha como fim punir o gestor que agia de tal forma, desonrando a atuação estatal e causando-lhe com fim específico prejuízos ou desrespeitos.

Contudo, infelizmente, ao longo do tempo a atividade dos órgãos de fiscalização e controle, bem como várias manifestações do Poder Judiciário, inclusive julgando atos de administradores governamentais, embora todas louváveis e respeitosas, terminaram por distorcer o texto da lei. É compreensível que isso tenha acontecido, tendo em vista os fatos políticos vividos no Brasil nos últimos anos, além da polarização política hodierna, entretanto, no âmbito citado isso é inaceitável.

Outrossim, se o Judiciário e os órgãos de fiscalização e controle da Administração Pública tivessem dado os devidos efetividade e respeito à Lei 13.655/2019, talvez não seriam necessárias alterações mais profundas na Lei 8.429/1992. Contudo, isso não aconteceu. Periodicamente, vê-se decisões administrativas e judiciais que sequer citam, ou até mesmo observam, aquela norma. Juristas e advogados atuantes na área têm questionado, em vão e sem ouvidos, citado contexto.

Em realidade, a revisão legal em tela traz adequações como necessidade de demonstração do dolo do agente para caracterização da improbidade, adequa prazos prescricionais, organiza prazos de investigação, a fim de afastar a possibilidade de investigações “eternas”, próprias de regimes de exceção, não democráticos, elimina a possibilidade indistinta e absurda de condenar-se administrador público e aplicar-lhe pena tendo-se por base apenas princípios jurídicos, estabelece o momento preciso para que o condenado possa cumprir as sanções decorrentes, fixa competência postulatória de forma clara e objetiva, dentre outras.

A famigerada corrupção, que assola e mata cidadãos, dentre outros importantes efeitos daninhos, continua sendo combatida com efetividade pelos órgãos competentes, com respeito irrestrito à lei, bem como através de investigações que tenham por fundamento o crime de corrupção (e outros), porquanto permanecem sob vigência e sem quaisquer alterações, os artigos 317, 333 e 337-B, todos do Código Penal brasileiro. A improbidade também, na mesma intensidade, sob os auspícios da lei atual e, oportunamente, da próxima a entrar em vigência.

Por certo, a despeito das polêmicas injustificadas e muitas vezes sensacionalistas, recorrentes, sobretudo, quando o questionador faz política e afasta-se (ou não conhece) da técnica jurídica, está-se diante de uma exemplar “evolução legal”, por meio da qual o legislador organiza dispositivos normativos atrelado à segurança jurídica e ao interesse público, mas, também, à dignidade da pessoa humana e ao devido processo legal. Agiu bem, o legislador.

PAULO R. SANTANA, advogado, professor do UNIFUNEC, pós-graduado e especialista em Direito Administrativo e Mestre em Adm. Pública e Privada pela Universidade de Coimbra.