10/08/2019 08h31 - Atualizado em 10/08/2019 08h31

Dever de prestação de contas em campanha eleitoral e suas consequências.

Por Paulo Ricardo Santana - Professor Titular de Direito Administrativo do UNIFUNEC

As campanhas eleitorais no Brasil estão sujeitas a severo conjunto de normas que dizem respeito à arrecadação e gastos. Todos os candidatos, sem exceção, só podem arrecadar e gastar dinheiro paracusteio de sua respectiva campanha nos estritos termos da norma. O descumprimento destes imperativosimplica graves consequências, as piores possíveis. Este cenário, note-se, coloca o objetivo primário do candidato, que é ser eleito, assumir cargo público e desempenhar as funções inerentes a ele, sob severo risco.

Conforme define o brilhante professor e eleitoralista Walber Agra Moura, “A prestação de contas se configura procedimento, previsto em lei, para vislumbrar a origem dos recursos eleitorais e a forma como foram efetivados seus gastos, possuindo o fator teleológico de impedir o abuso do poder econômico e assegurar a paridade para que todos os cidadãos tenham condições de disputar os pleitos eleitorais”.

De se notar, portanto, que além dos aspectos centrais da prestação de contas, quais sejam, fiscalizar com acuidade de onde vieram e com quais possíveis máculas se mostram os haveres de campanha, bem como a maneira como foram gastos, é de destaque no contexto a manutenção irrestrita da equivalência, ou seja, da igualdade, na disputa eleitoral.

Deveras, o pleito de caráter eletivo necessariamente deve seguir absolutas condições de isonomia entre os que dele participam, na medida das possibilidades legais e da proporcionalidade. É evidente que não se tem por intenção asseverar que a legislação deve ser assente, estabelecendo restrições tão escavas ao ponto de contrariar inclusive o sistema capitalista em que estamos inseridos. Contudo, há que existir no ordenamento jurídico um conjunto mínimo de regras que tenha como premissa a igualdade de condições na disputa.

Daí que, nesta toada, o candidato presta contas ao sistema de organização das eleições para ue ele, na qualidade de atividade estatal e com suas características e peculiaridades, possa identificar os ormenores dos recursos auferidos e gastos.

O dever de prestação de contas de campanha provém, sobretudo, do artigo 28, da Lei 9.504/1997, certamente, do artigo 48, da Resolução TSE nº. 23.553/2017 (atualmente em vigor). Aliás, importa ressaltar que em cumprimento ao artigo 23, inciso IX, do Código Eleitoral, e do artigo 105, da citada Lei das leições, o Tribunal Superior Eleitoral periodicamente, para cada eleição, e sempre com ao menos um ano e antecedência do pleito, elabora e baixa Resolução acerca da temática.

Nos dispositivos constantes destas normas estão todas as implicações e regras a que estão sujeitos os candidatos, tais como os limites de gastos conforme o cargo pleiteado, quem deve prestar contas, através e quais mecanismos, quem pode doar para o caixa de campanha, quais os documentos utilizados para tal processamento, quais recursos estão dispensados de integrar as informações a serem exteriorizadas, como são plicados os recursos, as datas de divulgação das informações, como será a análise e o julgamento das contas, dentre tantos outros. Ademais, pois tal questão interessa muito a este artigo, também estão estabelecidas quais as sanções serão aplicadas se forem identificadas irregularidades no processamento destes dinheiros.

Tendo como foco de análise o Compliance e, especialmente, a ferramenta da Due Diligence na arrecadação de fundos para campanha e respectivos gastos eleitorais, desde logo há que serem estabelecidos quais os riscos a que o candidato está sujeito.

Quanto a isso, nota-se o que dispõe o artigo – o temido artigo – 30-A, da Lei 9504/97. In verbis, para melhor elucidação:

Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 1º Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, no que couber. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)

§ 2º. Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)

§ 3º O prazo de recurso contra decisões proferidas em representações propostas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

Vê-se, pela letra da lei, que o candidato que tiver comprovada contra si a prática do chamado abuso de poder econômico, que nada mais é do que, sem pretensão conceitual, captação ou gastos ilícitoscom a finalidade de manter campanha eleitoral, poderá ter negado o diploma ou, se já outorgado, ver o mesmo cassado.

É bem verdade que abuso de poder econômico, corrupção e fraude são conceitos absolutamente distintos. Contudo, pelo seu caráter, por vezes se interpenetram, de sorte que a ocorrência de um deles pode caracterizar a consumação do outro.

Em se tratando de eleições proporcionais, ensina-nos o professor Adriano Soares da Costa:
A AIJE, nestas hipóteses do art. 30-A, será proposta contra o candidato que tenha praticado ou sido beneficiário da arrecadação ou aplicação ilícita de recursos eleitorais. Em caso de eleição proporcional, poderá ser proposta a ação também contra candidato que não tenha sido eleito, com a finalidade de cassar o seu diploma de suplente: ... (RESPE nº. 1.540/PA, rel. Min. Félix Fischer, DJE, 1º Jun. 2009).

Importa mencionar que nesta decisão o Sodalício TSE fixou entendimento que não há necessidade de demonstração de potencialidade para ser aplicado o artigo 30-A, pois se trata de norma, cujo caráter moral é latente. Embora esta linha de decidir seja de constante discussão e contrariedades, ao menos no momento é o que prevalece. Evidencia-se, portanto, que as consequências advindas de algumas irregularidades no manuseio dos valores de campanha são catastróficas, as piores possíveis, porquanto, uma vez vencedor do pleito, ou, ainda que suplente, como demonstrado, em verdade o candidato poderá não assumir o cargo ou dele será suprimido, conforme o caso.

Agrava-se ainda mais a situação, na medida em que se nota que o mesmo TSE manifestou entender que a execução de decisão em ação desta natureza pode ocorrer imediatamente, pois que não tem relação alguma com inelegibilidade, nos termos contidos no RESPE nº. 64536, rel. Min. Marcelo Ribeiro, Ac. de 24/03/2011.

Neste contexto, e conquanto não bastassem as problemáticas postas, recentemente o Egrégio Supremo Tribunal Federal aceitou recebimento de denúncia e abriu ação penal em face de Senadores da República, justamente por conta de possíveis doações de campanha que podem ter sido decorrentes de atos de corrupção. É dizer, o STF aceitou a possibilidade de que doação declarada à Justiça Eleitoral, evidentemente no decorrer e por conta de eleições, pode caracterizar propina e, portanto, ter dado causa a crime de corrupção e lavagem de dinheiro.

O caso posto enseja outro ponto de reflexão: se na campanha eleitoral houve prática de corrupção e/ou lavagem de dinheiro, a pessoa jurídica envolvida, qual seja, o partido política, pode estar sujeito às gravíssimas implicações da Lei 12.846/2013, a chamada Lei Anticorrupção? Ademais, pela sua natureza jurídica, pode ser que o Partido Político seja interpelado judicialmente a responder conjuntamente por tais práticas, incluindo-se os seus responsáveis, frise-se, a “alta gerência”? Não se pode olvidar que a norma mencionada estabeleceu responsabilidade objetiva para as pessoas jurídicas a ela sujeitas.

Destarte, é imprescindível que as campanhas eleitorais tomem as medidas possíveis, a fim de que os riscos decorrentes da captação indevida de dinheiros para campanha e gastos imprecisos sejam absolutamente afastados. Modernamente, entendemos que a ferramenta que se nota a mais possivelmente eficiente e precisa para tal prevenção está contida no sistema de Compliance e se denomina Due Diligence.

Parte II de artigo publicado na Revista da SGP – Soluções em Gestão Pública SLC é a responsável pela produção do periódico – Solução em Licitações e Contratos, contendo artigos de renomados autores do Direito, soluções práticas e julgados atuais.

Paulo Ricardo Santana é Professor Titular de Direito Administrativo do UNIFUNEC – Centro Universitário de Santa Fé do Sul; Mestrando em Administração Pública pela Universidade de Coimbra, Pós-graduado em Direito Eleitoral pela PUC-MG, Pós-graduado em Direito Administrativo pela UNIRP-São José do Rio Preto e MBA em Direito Educacional pela UNAERP-Ribeirão Preto; Especializado em Compliance e Gestão de Compliance pelo INSPER – Educação Executiva de São Paulo; Advogado