27/02/2016 10h01 - Atualizado em 27/02/2016 10h05

Fernando Antônio de Lima, Juiz de Direito de Jales discursa na posse da diretoria da OAB de Santa Fé

"...., antes de confiarmos no Poder Judiciário, devemos confiar nos nossos Advogados".

O doutor Fernando Antônio de Lima, Juiz de Direito do Juizado Especial de Jales foi o representante do judiciário na posse da nova diretoria da OAB Subsecção de Santa Fé do Sul. Com sua autorização, o informamais publica na íntegra o seu discurso que prendeu a respiração dos integrantes da mesa e dos convidados presentes no Plenário “João Alfredo do Amaral Ribeiro”, Câmara Municipal de Santa Fé do Sul.

DISCURSO DE POSSE DO DR. JOSÉ JORGE– PRESIDÊNCIA DA OAB, SUBSEÇÃO DE SANTA FÉ DO SUL-SP

Se me perguntassem qual palavra mais se irmana com a Advocacia, eu diria: JUSTIÇA.

LUIZ GAMA, o negro mais importante do século XIX, autodidata, foi jornalista, poeta e ADVOGADO MILITANTE. Filho de uma escrava, como advogado impetrava habeas corpus em favor dos escravos. Libertou mais de 1000, no século XIX.

Apesar da inteligência fulgurante, não lhe deram diploma: “Eu não possuo pergaminhos, porque a inteligência repele diplomas”.

Certa feita, uma criança, feito coisa, foi dada em garantia de uma dívida. Luiz Gama conseguiu um habeas corpus e obteve a liberdade no Tribunal, liberdade negada pelo Juiz de primeira instância.

Mas por que invoco a justiça, para falar dos Advogados e das Advogadas?

O Brasil traz ainda os machucados da escravidão. Ainda temos exemplos de reinados e castelos. Basta olharmos para algumas autoridades, alguns poderosos economicamente. Sentam-se aos pés dos seus castelos, como se o plano da existência não fosse compartilhado com os nossos irmãos menos favorecidos com a sorte da riqueza material.

E é aí que uma das figuras – das principais: a dos Advogados (as).

Vou prestar contas à sociedade de Jales: ano passado, o Juizado de Jales transferiu 23 milhões à população. São causas várias: pessoas que têm o parco salário penhorado pelos bancos; são planos de saúde que sonegam o direito dos pacientes; são pessoas que ficam horas e horas para melhorar o funcionamento do celular; são medicamentos que o Estado nega ao povo. Um economista norte-americano, certa feita, disse que os bancos brasileiros cobram 400% de juro. Numa famosa revista americana, o estudioso disse: os bancos brasileiros causariam vergonha aos piores agiotas dos EUA.

E a quem devo a distribuição desses 23 milhões, em primeiro lugar?

Devo aos senhores, doutores Advogados.

São vocês, os primeiros, que dão as mãos àqueles que clamam por justiça. São vocês que, com paciência, ouvem, nos seus escritórios, as estórias daqueles relegados pela miséria. São vocês que escutam a assalariada sendo surrupiada, no seu salário mínimo, pelos juros dos bancos.

Por isso, antes de confiarmos no Poder Judiciário, devemos confiar nos nossos Advogados.

Um verdadeiro Advogado não se embriaga com as fantasias terrenas do poder, nem se rende aos poderosos na Terra, tampouco se glorifica com as honrarias da alta missão que passou a ocupar. Não. Despede-se dos falsos gáudios materiais, beija a alma de Deus, com encanto e doçura contagiantes, para estar ao lado dos que estão mergulhados na miséria  e no pântano das desigualdades sociais.

Vejamos bem as Escrituras. Os Escribas e os Fariseus eram os doutores da lei e da religião. Limpavam o exterior do corpo e do prato, mas o interior estava cheio de rapina e iniquidade (Mateus 23: 25). Eis os sepulcros caiados, os belos túmulos pintados de branco: por fora formosos, por dentro cheios de ossos de mortos e de toda a imundícia (Mateus 23: 27).

 

O Apóstolo Tomé presenciou Jesus agoniando na cruz. Viu os famosos homens da lei, folheando livros divinos, doutores preenchidos de orgulho, passando eretos, exibindo os mais complicados raciocínios, quando o maior entre nós era humilhado (Chico Xavier. Boa nova, pelo Espírito Humberto de Campos, pág. 182. 37ª ed. 4. Imp. Brasília: FEB, 2014).

Um grande Advogado, e aqui estamos diante de vários exemplares, poderia seguir a sorte dos atuais Escribas, Fariseus, doutores da lei, daqueles que em geral erguem o peito para acompanhar as injustiças, fecham-se nos círculos obscuros do poder e escondem a túnica para a população, para aqueles carentes de direitos, para aqueles mergulhados na triste sorte da miséria e da opressão.

Mas, não. Um grande Advogado é que aquele que se rende à fala saborosa do Papa Francisco, para quem “no coração de Deus, ocupam lugar preferencial os pobres, tanto que até Ele mesmo ‘Se fez pobre’ (2 Cor 8,9) (...) O Salvador nasceu num presépio, entre animais, como sucedia com os filhos dos mais pobres” (Exortação Apostólica Evangeliigaudium. A alegria do Evangelho, pág. 162. 1ª ed. 6ª impressão. Sáo Paulo: Paulinas, 2013).

Vai mais além um grande Advogado. Conclama a nós todos, que ocupamos qualquer das funções transitórias desta vida, a defendermos e compreendermos a causa dos oprimidos, concretizando a determinação de Deus para que ergamos os necessitados (Salmos 113: 8).

É certo: a Advocacia e sua entrega pela justiça não trazem calmaria. No âmbito dos mesquinhos interesses humanos, a solidariedade é causa para escárnio, quando não para dolorosas perseguições. Mas a causa dos necessitados, queridos parceiros da Advocacia, é uma visita plena às nossas consciências, um exercício de lealdade para com Deus e um compartilhamento com os que aproveitam o frescor do Evangelho e a doçura da justiça.

Lá se vão alguns anos e me lembro de um senhor, na sabedoria dos 80 anos, plantando hortaliças, frutas e legumes. A casa era simples. No fundo, uma porção pequena de terra. O idoso vivia de salário mínimo. Apanhava a comida, plantada nesse pequeno pedaço de chão, e levava até uma escola, onde estudavam crianças carentes. 

Descalço de orgulho, descalço de poder, descalço de tudo que o dinheiro pode dar, o simples senhor levou comida aos pequeninos, esses os primeiros no trono de Jesus.

Daí me lembro, também, da banca de um dos concursos que prestei, que um dos examinadores – Advogado – recomendava que um grande Juiz deve respeito, educação e consideração com os Advogados.

Por isso, quando assumi a Magistratura, obriguei-me a respeitar os Advogados, porque respeitando os Advogados, eu estaria acima de tudo respeitando a justiça, a bondade e a liberdade.

Ser Advogado, portanto, é, acima de tudo, uma lição de extrema humildade. É levantar os braços de quem sofre, despir-se das alpercatas do orgulho, Estraçalhar o calçado da indiferença, dos pés que pisam, sem dó, no rosto dos irmãos sofredores.

Por isso, pôr-se descalço, que é a essência da ADVOCACIA, muito têm que ver com JUSTIÇA, queridos Advogados. Pôr-se descalço é descer à miséria, calçando as angústias que a alma alheia carrega. Questão fundamental, nesta quadra histórica da indiferença, é recuperar a dignidade perdida de muitos dos nossos irmãos, companheiros de jornada. Os pés da verdade e da justiça dispensam sandálias. O calçado que os pés dos justos vestiram, está, todo, na luz do Evangelho. É com esse calçado que Deus vestirá os pés dos que pedem socorro. Ensinam-nos, nobres Advogados, preclaras Advogadas, a doçura da sua humildade, a grandeza do seu humanismo, para que tenhamos, com os pobres, os destituídos de toda sorte de direitos, a mesma gentileza que se costuma devotar aos poderosos.

Que nos abracemos uns aos outros, irmãos Advogados e Advogadas, sob a liderança do nosso Dr. Jorge, o nosso querido Jorgão, para, nas nossas posições transitórias desta vida, lutarmos, fraternalmente, pela justiça, porque, de todas as causas sublimes, é ela a que revela o mármore mais perfumado, mais burilado e mais purificado do sentimento de Deus.

Fernando Antônio de Lima – Juiz de Direito do Juizado Especial de Jales-SP.