17/06/2018 11h09 - Atualizado em 17/06/2018 11h09

MPF requer que concessionária de energia Rio Paraná assuma gestão do Zoológico de Ilha Solteira (SP)

Centro de conservação da fauna silvestre busca compensar os impactos ambientais causados pelas usinas hidrelétricas da região

O Ministério Público Federal em Andradina (SP) entrou com ação para que a concessionária Rio Paraná Energia S.A. assuma em até 90 dias a gestão e manutenção do Centro de Conservação de Fauna Silvestre (CCFS) de Ilha Solteira (SP). O funcionamento do local, popularmente conhecido como Zoológico de Ilha Solteira, é uma das condicionantes das licenças de operação das usinas hidrelétricas Jupiá e Ilha Solteira, localizadas na divisa dos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul. A exigência, imposta pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em 2014 e 2015, durante o processo de regularização ambiental dos empreendimentos, vem sendo descumprida pela Rio Paraná desde que assumiu a concessão, há quase dois anos.

Em julho de 2016, após vencer o leilão promovido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a concessionária passou a ter responsabilidade exclusiva pelo cumprimento da legislação ambiental e das obrigações contidas nas licenças de operação das usinas. Controlada pela filial brasileira da gigante chinesa China Three Gorges Corporation, a maior produtora de energia hidrelétrica do mundo, a Rio Paraná vai explorar a concessão do serviço pelo período de 30 anos.

Criado em 1979 com a função de abrigar os animais que tiveram seus habitats alagados pela formação dos reservatórios das usinas, o CCFS se tornou um centro de referência no manejo da fauna silvestre da Mata Atlântica e do Cerrado. Com o passar dos anos, passaram a ser desenvolvidas pesquisas científicas e a reprodução em cativeiro de diversas espécies ameaçadas, como onça-pintada, cervo-do-pantanal, lobo-guará e tamanduá-bandeira. O local também passou a desempenhar a função de centro de triagem, recebendo animais silvestres apreendidos ou resgatados pelo poder público. Entre 2015 e 2016, por exemplo, 239 espécimes foram entregues ao CCFS pela Polícia Militar de São Paulo. Soma-se a isso o Programa de Educação Ambiental, por meio do qual eram atendidas mais de 30 mil pessoas por ano, entre as quais muitos estudantes.

Atualmente, o centro abriga cerca de 230 exemplares da fauna regional, incluindo répteis, aves e mamíferos. Diante da omissão da Rio Paraná, a subsistência dos animais vem sendo assegurada pela Companhia Energética de São Paulo (CESP), que era a responsável pelas usinas até julho de 2016. Contudo, o descaso da nova concessionária resultou no encerramento das atividades de pesquisa científica, de triagem de espécimes resgatados e de educação ambiental.

INTERESSE FINANCEIRO. A ação ajuizada pelo MPF destaca que a conduta da empresa de ignorar suas obrigações para com o CCFS foi impelida unicamente por razões financeiras, visando não realizar despesas com a aquisição da atual estrutura física pertencente à CESP ou com a construção de espaço semelhante. De forma a regularizar sua postura ilegal, a concessionária solicitou ao Ibama a substituição do centro de Ilha Solteira pela implantação do “Corredor Ecológico dos Rios Sucuriú e Taquari” como exigência para as licenças de operação das usinas.

Em reuniões realizadas em 2016, o instituto acenou positivamente com a permuta e autorizou a desativação do CCFS, apesar de não haver estudos científicos demonstrando que o novo projeto resultaria em benefícios ambientais superiores aos obtidos com o centro de conservação. Para o MPF, esta decisão é francamente desfavorável à manutenção do equilíbrio ecológico da região impactada pelas usinas hidrelétricas. Entre os pontos negativos listados pelo procurador Thales Fernando Lima está o fato de o novo corredor ecológico apenas contemplar municípios situados no Mato Grosso do Sul, ignorando os danos causados pelos empreendimentos em cidades paulistas, mineiras e goianas. Além disso, o reflorestamento de áreas de preservação permanente previsto no projeto já é uma obrigação legal imposta à concessionária pelo Novo Código Florestal,  não podendo assim ser considerado como condicionante das licenças de operação.

Como já havia recomendado em 2017, o MPF pede que o Ibama não aprove a substituição do CCFS pelo Corredor Ecológico dos Rios Sucuriú e Taquari. Em relação à Rio Paraná, a ação requer que sejam restabelecidas todas as atividades do centro de Ilha Solteira, incluindo a conservação da fauna silvestre, a triagem de animais resgatados, a pesquisa científica no manejo das espécies e o programa de educação ambiental, popularmente conhecido como zoológico, sob pena de multa de R$ 100 mil por dia de descumprimento. Em caso de indeferimento desses pedidos, o procurador solicita que ao menos o implemento de outro programa seja condicionado à realização de estudos científicos exaustivos que demonstrem os benefícios ambientais para a fauna silvestre das áreas de influência das usinas hidrelétricas.

O MPF também pede que a concessionária pague indenização de no mínimo R$ 10 milhões pelo dano moral coletivo resultante de sua omissão em gerir e manter o CCFS. Em seu pedido, o procurador ressalta que a Rio Paraná possui capital social de R$ 6,6 bilhões. “A conduta ilegal da empresa ocasionou injusta lesão ao patrimônio imaterial de toda a coletividade, razão pela qual deve promover a reparação a título de dano moral coletivo, que, além do caráter pedagógico, deve servir para promover mais investimentos em projetos de cunho ambiental na região afetada”, conclui Thales Lima.

As usinas hidrelétricas Jupiá e Ilha Solteira foram concluídas na década de 1970, antes da promulgação da Lei nº 6.938/1981, que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente. Por isso, a construção dos empreendimentos não foi precedida dos estudos de impacto ambiental exigidos pela legislação atual. A degradação, contudo, é evidente. O reservatório de Jupiá abrange 330 km² e alagou terras localizadas em sete municípios. Já para a construção da barragem de Ilha Solteira, foram submersas áreas de 33 cidades nos estados de GO, MS, MG e SP, num total de 1.195 km². Juntas, elas formam o Complexo Hidrelétrico Urubupungá, o sexto maior do mundo.

De forma a disciplinar o licenciamento ambiental de obras de grande porte para geração de energia elétrica construídas antes de 1981, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) determinou que os empreendimentos obtivessem uma licença de operação, condicionada à adoção de medidas de proteção compatíveis com o impacto ambiental provocado.

A regularização ambiental de Jupiá e Ilha Solteira teve início em 1998. Nesses processos, o Ibama recomendou a continuidade do Centro de Conservação da Fauna, como forma de compensação dos danos ambientais já causados pelos empreendimentos, destacando sua importância para a educação ambiental e conservação de espécies ameaçadas. “É indubitável que as licenças de operação das usinas condicionaram a exploração econômica de suas atividades substancialmente poluidoras à manutenção e pleno funcionamento do CCFS de Ilha Solteira”, ressalta o MPF.