26/08/2020 16h15 - Atualizado em 26/08/2020 16h18

Santa Fé do Sul / Juiz de Direito Dr. Braga envia Carta Aberta ao Bispo da Diocese de Jales

Nela o magistrado requer melhor analise e que reconsidere a transferência do Pe. Lorenzo Longhi de Santa Fé para Auriflama.

Na última sexta-feira (14) O Bispo Diocesano de Jales, Dom Reginaldo Andriete publicou um comunicado no site oficial da diocese que informa a transferências de padres de diversas paróquias, um remanejamento geral que incluiu a transferência do Pe. Lorenzo Longhi da Paróquia São João Batista de Santa Fé do Sul para a cidade de Auriflama.

Nesta semana o Pe. Lorenzo confirmou a informação, e que a tranferência deve ocorrer até fevereiro de 2021. O Pe. demonstrou obediencia as decisões do lider da Diocese, mas pode se perceber que foi pego de supresa, ao receber a notícia da mudança no alto dos seus 76 anos idade onde terá que começar um novo trabalho de evangelização em um local desconhecido. Na entrevista da última seguna feira (24) as declarações de Lorenzo indicaram que o Pe. poderá retornar para sua terra natal e assim encerrar sua missão sacerdotal após 50 anos dedicado a Igreja Católica.

Atualmente está sendo coletadas assinaturas da comunidade católica que tenta reverter a decisão do Bispo, além disso, varias manifestações em redes sociais e cartas endereçadas a Diocese de Jales e, uma dela do Juiz Direito da Comarca de Santa Fé do Sul, José Gilberto Alves Braga Junior, que está postada também na sua pagina pessoal em rede social, tornando público o desejo do Juiz de que haja uma reconsideração da Diocesa na transferência de Lorenzo Longhi. Veja a carta.

Ao Reverendíssimo Senhor Dom Reginaldo Andrietta

Santa Fé do Sul, 26 de agosto de 2020

Na última sexta-feira, Santa Fé do Sul recebeu a triste notícia de que V. Revma. decidira que o Padre Lorenzo deixará esta cidade para assumir a paróquia de Auriflama.

Quando se recebe a notícia que um padre será transferido, ao leigo surgem duas hipóteses: Ou o padre não se adaptou à comunidade, ou a comunidade não se adaptou ao padre.

Mas vejamos.

Ordenado na Itália em 1970, o padre Lorenzo lá permaneceu por oito anos, antes de chegar ao Brasil. Aqui chegando, trabalhou em Ouroeste, Indiaporã, Fernandópolis, e retornou para a Itália.

De volta ao Brasil em 1988, assumiu como pároco da Igreja São João Batista, na nossa cidade, mas foi designado como missionário em Palmas, Tocantins, lá permanecendo até 2002. Entre 2003 e 2008 foi pároco de Pereira Barreto e no início de 2009 retornou para Santa Fé do Sul.

Portanto, são 42 anos a serviço da Diocese de Jales e nada menos que 17 anos junto à comunidade de Santa Fé do Sul (somando-se os dois períodos), o que descarta a possiblidade de ser uma daquelas hipóteses.

Seria algum problema pessoal com o Pe. Lorenzo que desconhecemos? Também não, porque o Pe. Lorenzo é detentor de uma postura digna, cumpridor de seus deveres, carismático, um grande pastor que sabe conduzir seu rebanho, um líder religioso exemplar, respeitado e admirado inclusive pelos não católicos, que faz o que prega e age de acordo com as leis de Deus.

Não por acaso, uma grande comemoração estava marcada para este ano, preparada pelos fiéis, pois ele completou seu Jubileu de Ouro em Santa Fé do Sul, que só não se realizou em virtude da pandemia, que paralisou o mundo todo. 

A transferência do Pe. Lorenzo não se deu por incompatibilidade dele com a comunidade,  muito menos da comunidade com ele, ou por qualquer problema de ordem pessoal.

Por que, então, o padre vai embora ?

Essa dúvida gera a instabilidade que se vê desde a última sexta-feira entre fiéis católicos, e também entre não católicos, já que o Pe. Lorenzo é amigo de todos. Exemplo disso foi a declaração de um radialista naquele mesmo dia, ao noticiar a decisão do Bispo, que ressaltou ser evangélico, e mesmo assim gostar muito do Padre, de ouvi-lo e de conversar com ele, que sentia o fato de que nos deixaria.

Sua história de vida revela que deixou seu país de origem e sua família, com espírito missionário, veio ao nosso país e chegou na nossa cidade, para passar aqui, grande parte da sua vida.

E aqui fez história, fez amigos, cumpriu seu mister e hoje, com 76 anos, continua cumprindo sua missão. Ouso dizer que trocou sua família de sangue italiana pela família santa-fé-sulense, que o acolheu de braços abertos.

A resposta que todos procuram está no Direito Canônico (cânon 1748, do Código de Direito Canônico):  “Se o bem das almas ou a necessidade ou utilidade da Igreja exigirem que o pároco seja transferido de sua paróquia, que dirige com eficiência, para outra paróquia ou para outro ofício, o Bispo proponha-lhe a transferência por escrito e o aconselhe a consentir, por amor a Deus e às almas.”

A decisão, portanto, é de V. Revma. e não ousaria questioná-la.

Mas se de um de um lado há a lei canônica e a decisão do Bispo, de outro há alguns aspectos e peculiaridades que merecem ser destacados porque, data vênia, poderiam mitigar o caráter pragmático da norma.

A sociedade evoluiu e a Igreja também. Embora sobre alguns temas a Igreja ainda mantenha seus conceitos imutáveis, em outros, demonstrou que mudanças são necessárias, como, p.ex., a aproximação dos fiéis, que passaram a ser ouvidos, a pedido do Santo Padre Francisco.

Em 2018, o Papa Francisco manifestou seu desejo de que as assembleias do Sínodo dos bispos envolvessem o “povo de Deus”. Ao assinar a constituição apostólica Episcopalis communio, o Pontífice estabeleceu regras para as assembleias dos bispos, notadamente que os Sínodos deveriam ser o resultado de uma consulta ampliada aos fiéis nas dioceses. E essa renovação, segundo ele, vinha do fato de que os pastores estão a serviço do povo santo de Deus, ao qual eles próprios pertencem em virtude do sacramento do Batismo.

Ainda segundo o Pontífice, “O bispo, pois, deve caminhar na frente de seu rebanho, apontando o caminho, caminhar no meio, para fortalecer o povo em sua unidade e caminhar atrás para que ninguém seja deixado para trás, mas sobretudo para seguir o instinto que o povo de Deus possui para encontrar novos caminhos. A voz das ovelhas deve ser escutada também mediante os órgãos diocesanos que têm a responsabilidade de aconselhar o bispo.” (Fonte: Instituto Humanos Unisinos – ihu.unisinos.br “Muda o Sínodo dos bispos. Mais espaço para escutar os fiéis).

Aplicando-se por analogia a visão do Santo Padre, é salutar que o bispo realmente ouça seus fiéis não só no Sínodo dos Bispos, mas também em outras situações, principalmente aquelas que atinjam diretamente a comunidade, como no caso de remanejamento dos padres, sem tirar, evidentemente, a última palavra, que sempre será sua.

É o que esperamos de V. Revma.

Certo de que algumas pessoas da comunidade irão até V. Revma. e diante da impossibilidade de estar presente, encaminho-lhe esta missiva, com todo respeito, para expor e requerer o que segue.

Senhor Bispo. Sou sabedor de que sempre que há remanejamento de padres, as comunidades se manifestam contrariamente, quer porque estão acostumadas, quer porque criaram afeição com o pároco. Confesso que com o Pe. Lorenzo não é diferente. Mas há certas peculiaridades que merecem uma análise mais aprofundada.

Em primeiro lugar, há que se ressaltar a trajetória do Pe. Lorenzo, que citei logo no início. Deixou seu país, onde foi ordenado padre, para exercer o ministério em outro continente. Retornou para a Itália, mas decidiu que seu lugar era o Brasil e, imbuído no espírito missionário, assumiu o desafio de levar a palavra de Deus a um longínquo rincão do país. Não sei se o senhor já ouviu as histórias de sua passagem por Palmas e todas as dificuldades enfrentadas por lá, mas ele as conta com muito orgulho. Era jovem, com muita energia e exerceu seu múnus com a sabedoria e garra de poucos.

Retornou para o Estado de São Paulo e sempre atendeu as ordens de seus Bispos, compromisso assumido ao ser ordenado. Pe. Lorenzo sempre foi um colaborador de seus Bispos.

Sua última designação foi Santa Fé do Sul, em 2009, onde se encontra até hoje.

É sabido por Vossa Revma. que hoje o Pe. Lorenzo conta com 76 anos, sendo 42 à serviço da Diocese de Jales.

Ainda que existam párocos mais idosos, causa estranheza ao homem médio que um padre com essa idade, tenha que chegar numa comunidade nova para iniciar todo o trabalho já realizado onde se encontra, quer nas pastorais, grupos, etc.., com toda a dificuldade que o senhor conhece melhor que nós todos.

"Levantem-se na presença dos idosos, honrem os anciãos, temam o seu Deus. Eu sou o Senhor.

Levítico 19:32

Além disso, foi com muita alegria que, no início desse ano, ele me comunicou que seria comemorado seu Jubileu de Ouro em Santa Fé do Sul, cidade que ele gosta tanto, o que não foi possível por conta dessa pandemia que assola o mundo todo. Ele ainda espera esse momento aqui.

Por várias vezes, manifestou-me seu amor por esse povo, pois como disse acima, trocou sua família da Itália pela família santa-fé-sulense, já que é respeitado até pelos não católicos.

Por outro lado, é visível a satisfação pessoal de seu trabalho e de suas conquistas para a Igreja local.

Talvez o senhor não saiba, mas o Pe. Lorenzo não viu seus pais morrerem e recentemente teve um descontentamento familiar, que reforçou ainda mais seus laços com a família santa-fé-sulense.

Senhor Bispo. Atrás daquela batina, daquele homem italiano, às vezes ríspido no modo de falar, mas sincero e direto, há um ser humano com sentimentos, que adotou Santa Fé do Sul como a família que não tem aqui, que criou raízes que o tornaram um padre melhor.

Atrás da batina do padre que tanto orienta, ajuda, decide, administra, existe um ser humano que pensa em terminar sua missão nessa terra chamada Santa Fé.

Peço escusas a Vossa Revma. se estou invadindo uma esfera que não é minha, mas não falo aqui como juiz, como o homem a quem Deus também deu o poder de decidir e julgar, mas como um homem que pensa pelo lado humano, como também prega a igreja, e que vê o Pe. Lorenzo fora da Igreja e da batina.

Sei que ao ser ordenado, ele abdicou de muitas coisas, e prometeu servir a Igreja, cuja autoridade mais próxima é V. Revma. Isso é fato. Mas todos nós somos seres humanos. Eu, o senhor e ele.

Temos exemplos dessa visão humanitária que tem se manifestado na Igreja Católica. O Papa Bento XVI que jurou o Papado até o último dia de sua vida, renunciou e foi acolhido pela Igreja. O Bispo Dom Demétrio, que optou por ficar em Jales, aí está. Foi feita a sua vontade.

Por que não olhar o Pe. Lorenzo com os mesmos olhos?

Senhor Bispo.

Sem tirar o mérito do padre escolhido para substituir o Pe. Lorenzo, o que pretende a comunidade, representada por aqueles que irão até sua presença,  é que o senhor Bispo ouça os argumentos que nos fazem pensar que sua missão ainda não terminou nesta cidade, além, é claro de suas condições pessoais e afetivas com quem o acolheu de forma tão fraterna.

Não pense que serão os argumentos de sempre, como só ocorre nesses momentos de remanejamento de padres. Nosso pleito vai além e temos certeza que assim como o senhor sempre ouve

 E também que ouça o Pe. Lorenzo, pois o bispo diocesano é, antes de tudo, pai do seu padre.

Atenciosamente

JOSÉ GILBERTO ALVES BRAGA JÚNIOR

Juiz de Direito