02/07/2020 18h33 - Atualizado em 02/07/2020 18h38

"50 anos de ordenação Sacerdotal do Pe. Lorenzo Longhi"

Trabalhos Pastorais em Palmas e no Sertão Brasileiro

Um dos capítulos mais importantes deste período de “50 anos de Ordenação Sacerdotal do Pe. Lorenzo Longhi”, comemorados no dia 28 de junho, está a missão em Palmas, que será narrada nesta edição, onde o Pe. Relata o trabalho pastoral no sertão de Tocantins, onde encontrou um povo de “muita fé, firmeza na religião, com sede de valorizar a própria vida de cristãos”.

PALMAS

Antes de falar da nova missão em Palmas, volto para trás no tempo.

De verão sempre tirava férias visitando os parentes e os amigos na minha terra natal. Nessas viagens levei umas imagens de Nossa Senhora Aparecida! Uma deixei no topo da montanha em “Valgerola”, no pico “Piazzi”, protegida numa redoma fixada na Cruz (ela está lá olhando e protegendo os pastores). Outra imagem está, ao lado do desfiladeiro onde passam os pastores com o gado e turistas excursionistas. Ela está num nicho de madeira, também olhando e protegendo “os moradores do Vale”. Todo ano celebro a Santa Missa com os moradores, uma bela convivência e partilha do mesmo amor para Nossa Mãe do céu MARIA. Outras estão bem protegidas nas casas dos montanheses.

Ok ! Voltamos para Palmas!

Na minha ida até Palmas fui acompanhado por algumas pessoas daqui de Santa Fé, levando a mudança na caminhonete. Eu de carro gol 1.8, com irmã Irene, que se dispôs em acompanhar juntamente com outra voluntária de Jales, Ana Maria, que ficariam uns seis meses para pôr as bases deste projeto missionário da diocese de Jales.

Foi uma viagem longa e cansativa (uns 1600 km.) Chegamos em Taquaralto, nossa base, periferia de Palmas, onde iria trabalhar como vigário. A casa estava vazia, bem pobre e cheia de pernilongos (muriçocas), ao ponto de pretejar as paredes. O pessoal descarregou tudo e não aguentou os bichinhos e foram embora a noite voltando para Santa Fé (deixaram na mão a gente).

Ajeitamos tudo! O dia seguinte fomos comprar urgentemente os mosquiteiros porque não queríamos ser comidos por muriçocas. Compramos o que era necessário para a casa, e iniciamos nossa aventura missionária conhecendo este novo povo vindo de cada canto do Brasil, pessoas do Ceará, Piauí, Maranhão, Pará, São Paulo, Rio Grande do Sul etc.).

Nesta região também tinha dois padres irlandeses Padre Matias e colega (ambos redentoristas). Tivemos uma ótima convivência na amizade, no respeito e no trabalho pastoral. Além deles havia em cada bairro, ou melhor, conjuntos habitacionais, três congregações de irmãs. Podemos dizer que estrategicamente bem situadas para atender este povo.

Meu atendimento pastoral chegava também nas cidades do interior, tais como Novo Acordo, São Felix do Tocantins, Prata e Mateiros. A estradas para estes lugares eram de terra, e areia, bem difícil pra percorrer, seja na época da chuva seja na seca, além de uma balsa antiga para atravessar o rio Sono.

Não era fácil, lembro-me que as irmãs irlandesas que moravam em Novo Acordo, que atendiam o sertão Jalapão, ao chegar o mês de abril daquele ano,  deixaram tudo, depois de ter feito um ótimo trabalho nesta região quase abandonada e voltaram para a Irlanda (o padre aparecia uma vez por ano na festa do padroeiro). Nesta ocasião, elas me venderam um Toyota Bandeirantes para poder atender esta região, pois o gol não teria suportado estas pistas.

Aqui está o que poderia contar destes oito anos passados em solidão neste trabalho, muito cansativo, exigente, mas infinitamente rico de satisfações.

HISTÓRIAS DO SERTÃO (primeira parte)

A aproximação com este povo não foi fácil, cada pessoa trazia seus costumes, hábitos, tradições, vivências, religiosidade popular do seu estado. Conciliar, integrar na comunidade este pessoal foi um desafio bem árduo, complicado. Cada um queria impor suas ideias, trazer para Taquaralto (bairro de Palmas), e região, seu jeito de ser Igreja.

Nosso trabalho pastoral foi dar um rosto novo a estas comunidades, uma identidade que espelhasse a nova realidade. Nestes bairros já tinham   comunidades de base, refletiam a Palavras de Deus, para fortalecer o jeito de ser cristãos para encarar o ambiente sócio-político de Palmas.

Palmas fazia parte da diocese de Porto Nacional, não demorou muito para ser instituída como arquidiocese com a nomeação do primeiro arcebispo vindo de Brasília Dom Alberto Taveira Corrêa, no dia 27 de março de 1996.

Eu fui nomeado vigário da paróquia Nossa Senhora Aparecida em Taquaralto. Além dessa paróquia atendia o interior também, chamado sertão (jalapão).

O povo do sertão, era diferente, muito simples, pobre e desconfiado. As comunidades não tinham nenhuma organização e nem estruturas pastorais. São Felix de Tocantins, por exemplo, tinha uma capelinha de pau-a-pique, já em Prata tinha um barracão onde podia celebrar e em Mateiros absolutamente nada, celebrava na escola,  tudo precário. No meu itinerário apostólico, além destes municípios, tinha pontos de referência, onde o povo vinha se reunindo, sabendo o dia da passagem do padre (faziam 6 léguas de animal, significa 36 kms). Com a minha visita, celebrava a Eucaristia, Batismos e casamentos, mas antes ensaiava os cânticos e um pouco de catequese (não cobrava nada).

Antigamente um padre passava nestes lugares uma vez por ano no mês de julho (época da seca, verão para esta região) de animal, ficava viajando um mês todo. Aliás quando cheguei, fazia 5 anos que o padre não visitava este povo (o padre não aguentou). Diante desta situação decidi de dar assistência pastoral todo mês.

Graças a Deus achei nesta gente, muita fé, firmeza na religião, com sede de valorizar a própria vida de cristãos. Organizei a catequese formando catequistas, a celebração da Palavra de Deus e a reza do terço. Com a ajuda da “Populorum progréssio” do Vaticano, consegui construir uma igreja na praça em São Felix do Tocantins, em Prata um salão que tinha função de Igreja e local de trabalho artesanal (capim dourado). Em Mateiros também uma Igreja-salão, simples, mas funcional. Na época dos padroeiros ficava uns 5 dias nas comunidades, atendendo pastoralmente (quantos batizados!). Além das comunidades que atendia no interior: Novo Acordo, São Felix de Tocantins, Mateiros, Lagoas do Tocantins, Santa Thereza do Tocantins, Taquarussu, Buritirana, um assentamento são Bento, e uma aldeia Barra da Aroeira (quilombo de famílias Rodriguez).

Embora sozinho consegui me organizar e programar direitinho o atendimento todo mês,  uma presença constante, me adaptando em qualquer situação, fosse dormindo na Igreja, escola, barracão, nas casas (na rede), e nos últimos anos na caçamba da caminhonete Mitsubishi (para evitar qualquer malícia, é bom esclarecer que esta ganhei dos meus amigos italianos, nunca mexi com dinheiro da igreja, também não tinha fundo!).

Aí com o Toyota Bandeirantes (treme – treme), até 1997, com o Toyota novo com direção hidráulica e com ar condicionado, acabei com a minha coluna (hérnia de disco braba). Infelizmente a hérnia piorou, não conseguia ficar de pé, aí dom Demétrio providenciou a consulta em São José de Rio Preto, nos meados de agosto de 1997. Fui internado na Beneficência para a intervenção cirúrgica urgente. Quando recebi alta fui hospedado para a convalescença na casa da enfermeira Maria Rita Zantedeschi Malerba, que cuidou de mim uma semana, em Fernandópolis.

Decidi, para não incomodar ninguém, voltar para Itália com os meus parentes que estavam preocupados. Voltei para o Brasil, em Palmas no início de novembro para dar continuidade a minha missão. Comecei a dar atenção a Taquaralto, reformei a Igreja, ampliei (era pequena), atrás dela edifiquei o centro pastoral (sobradinho) com a escritório paroquial.

Com que ajuda financeira? Pobreza extrema! A verdade é que tudo saiu do meu bolso, com a ajuda dos amigos italianos, mais uma vez. Na paróquia de Santa Thereza do Tocantins, houve uma experiência louvável, os jovens com promoções e doações construíram uma nova Igreja (a velha estava caindo em pedaços), bem grande e bonita. Ajudei a terminar outra Igrejas nos Bairros, para favorecer um melhor atendimento pastoral, assim passamos das escolas para os nossos templos, expressão de fé deste povo.

Devo reconhecer que esta gente era boa, aprendi a amar e favorecer, a estimular a acolher a todos mesmo diferentes. Fizemos juntos uma ótima caminhada. Quanta saudade tenho deste povo!

As paróquias eram pobres, o dízimo fraco, nem dava pra pagar a secretária! Mas aos poucos conseguimos conscientizar nossa gente para assumir a própria Igreja, em todos os sentidos e não pensar que o dinheiro descia do céu como o Maná no deserto.